22 de jul. de 2014

Da Alquimia a Química

Transformação química: um domínio de longa data

    Ninguém sabe quem descobriu o fogo, mas podemos imaginar o sucesso que ele fez. Acredita-se que o domínio do fogo abriu o caminho da civilização, tendo sido a combustão uma das primeiras reações químicas experimentadas pelo ser humano.
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    As transformações químicas - transformações de uma substância em outra - sempre fascinaram a humanidade. A partir delas surgiram processos que ajudaram a melhorar a vida  no planeta: os metais, usados para a fabricação de todo tipo de utensílio há muitos séculos, são obtidos por meio de transformações feitas pela metalurgia,; os alimentos sofrem uma série de transformações por meio do cozimento; os processos de curtição das peles de animais transformam o couro para que ele possa ser utilizado em vestuário; ferramentas são empregadas desde os primórdios de nossa civilização; o tingimento de fibras envolve transformações que as fazem absorver as tintas que lhes conferem diferentes cores; os corantes são obtidos por processos que envolvem várias transformações, inclusive químicas.
    Os egípcios desenvolveram técnicas de extração de corantes de vegetais, e os fenícios, de extração de tintas de moluscos.
    Muitos outros desses processos foram desenvolvidos nas civilizações pré-históricas, como técnicas primitivas de transformação de materiais, as quais muitas vezes eram executadas como rituais religiosos ou de magia. Essas técnicas ritualísticas foram se somando a conhecimentos de diversos sábios, dando origem à alquimia.
    Acredita-se que a palavra "química" tenha se originado nessa época. Alguns consideram que ela teve origem na civilização egípcia, advinda da palavra khemeia, arte relacionada com mistérios, superstições, ocultismos e religião. Outra hipótese é que tenha surgido da palavra grega chyma, que significa fundir ou moldar coisas.

O tesouro dos Alquimistas

    A sabedoria alquímica surgiu em diversas civilizações, diferenciando-se pelas concepções de mundo de cada cultura. Assim surgiram a alquimia chinesa, a hindu, a egípcia, a árabe e a europeia desde a Antiguidade até a Idade Média. Em comum, todas desenvolveram técnicas arcaicas de transformação.
    A alquimia passou para a história por seus ideais inatingíveis: a busca de uma fórmula que poderia transformar metais em ouro, a chamada "transmutação", e de um elixir da longa vida, que permitiria a imortalidade. Embora nunca tenham sido alcançados pelos alquimistas, esses objetivos trouxeram ganhos bastante concretos: permitiram o desenvolvimento de aparelhos, técnicas laboratoriais e substâncias fundamentais para o desenvolvimento da ciência. Hoje não somos imortais, mas temos uma expectativa de vida cada vez maior, graças aos medicamentos descobertos pelos cientistas. E as conquistas tecnológicas obtidas pela sociedade trouxeram riqueza e melhor qualidade de vida para várias pessoas.

A teoria do flogístico

    Ao longo da Idade Média, os alquimistas alcançaram tamanho status que até membros da aristocracia quiseram fazer parte desse respeitado grupo de sábios. O grão-duque da Toscana, Francisco I, fez questão de ser retratado numa pintura de Giovanni Stradano como se estivesse trabalhando num laboratório de alquimia.
    Assim como a religião, a alquimia era fundamental em dogmas, ou seja, em crenças assumidas sem discussão. Para aceitar suas verdades preestabelecidas não era era necessário, portanto, fazer uso da experimentação sistemática. Com o Renascimento, no século XVI, essa maneira de pensar foi mudando e uma nova forma de buscar o conhecimento surgiu: a ciência experimental moderna.
    Essa mudança teve a contribuição de várias pessoas. O médico, filósofo e alquimista suíço Paracelso, Philipus Aureolus Theophrastus Bombast von Hohenheim (1493-1541), mesmo ainda ligado à alquimia, desenvolveu estudos que deram início à química médica (quimiatria). Vários outros estudiosos, entre os quais se destacava o físico e químico irlandês Robert Boyle (1627-1691), desenvolveram técnicas experimentais na produção metalúrgica e na preparação de diversos materiais.
    Todos esses estudos permitiram a elaboração de novas teorias, embora muitas ainda estivessem impregnadas dos velhos conceitos dos alquimistas. Uma das mais marcantes para a história da Química foi a teoria do flogístico, proposta pelo químico alemão Goerg Ernst Stahl (1660-1774). Em 1731, ele propôs uma teoria explicativa para a combustão: segundo ele, os corpos combustíveis teriam como constituinte um "elemento", denominado flogístico, o qual era liberado durante a queima. Essa teoria ficou muito famosa na década de 1750.
    Stahl afirmou que todo material perde algo no processo de queima. E batizou essa material perdido de flogístico, também denominado na época "espírito ígneo". De acordo com essa teoria, quando um metal era queimado, liberava o flogístico, restando o que eles chamavam de "cal" do metal. O flogístico era considerado um dos elementos constitutivos da matéria, que seria liberado toda vez que o material sofresse combustão ou calcinação (aquecimento em alta temperatura). Para transformar a "cal" em metal, bastava devolver o flogístico por intermédio do carvão. Esses processos poderiam ser explicados no esquema apresentado à seguir.
    Embora as explicações baseadas na teoria do flogístico fossem razoáveis, ela apresentava incongruências em relação à variação de massa. Mesmo assim, foi aceita durante certo tempo.
    No século XVIII, surgiram melhores explicações para a combustão. Antoine Laurent Lavouisier percebeu a importância do oxigênio para esse processo. A partir de experiências bem elaboradas e controladas, utilizando balanças de alta precisão (cujas sensibilidade e precisão poderiam rivalizar com algumas balanças modernas), ele mediu a variação de massa durante a combustão de diversas substâncias. Os resultados de seus experimentos demonstraram que havia conservação de massa durante as reações e permitiram que ele demonstrasse que a queima é uma reação com o oxigênio e que cal metálica da teoria do flogístico era, na verdade, uma nova substância.
    Lavoisier contribuiu de maneira significativa não só para derrubar a teoria do flogístico, mas para estabelecer um novo método de investigação que caracterizou o nascimento da química como Ciência experimental. O seu trabalho e o de outros químicos da época, como o escocês Joseph Black (1728-1799), contribuíram para demonstrar a necessidade do uso de balanças nos estudos da Química.

   A Química como Ciência Experimental

    Medir, pensar, testar, provar. Esse foi o novo jeito de fazer ciência no estudo da Química que nasceu a partir de trabalhos de Lavoisier. Foi uma das primeiras grandes mudanças de paradigma na história da Ciência. Paradigma é o padrão ou modelo que norteia nosso modo de viver, trabalhar, fazer ciência. E é pela mudança de paradigmas que a Ciência se desenvolve, segundo o filósofo alemão Thomas Kuhn (1922-1996). Essa mudança é chamada de Revolução Científica.
    Os historiadore divergem quanto ao período e aos fatos que marcaram a Revolução Química. Porém, muitos concordam que essa revolução culminou com a publicação do trabalho de Lavoisier, Traité élémentaire de Chimie (Tratado elementar da Química), em 1789.
    Podemos destacar vários fatores que caracterizaram a revolução no conhecimento químico.

  • aumento no uso preciso de métodos quantitativos (baseados em medidas de quantidade e não simplesmente de qualidade);
  • substituição da teoria do flogístico pela teoria da reação com oxigênio;
  • definição de elemento químico, substância e mistura;
  • estabelecimento de um novo sistema de nomenclatura química;
  • abandono da ideia de ar como elemento.

    As explicações que tinham certo caráter "mágico" foram cedendo lugar às explicações científicas, baseadas em experiências. Se considerarmos o trabalho de Lavoisier como o marco dessa revolução, a Química tem pouco mais de duzentos anos. É uma Ciência nova.
    Como vimos, a mudança no modo de estudar os processos químicos que determinou o surgimento da Química como ciência experimental é denominada pelos historiadores de Revolução Química. Essa revolução ocorreu quando os químicos passaram a ter um método característico de investigação, uma linguagem própria e um sistema lógico de teorias para explicar seus processos.
    O contexto histórico daquela época, caracterizado por profundas mudanças culturais e sociais como a Revolução industrial e a Revolução Francesa, contribuiu para o estabelecimento da Química como Ciência. Os iluministas defendiam novas formas de compreender o Universo, por novos métodos, como os usados por Lavoisier. E a Revolução Industrial fez com que muitas pesquisas científicas fossem financiadas para desenvolver novas tecnologias. Isso contribuiu para que uma comunidade de pesquisadores começasse a adotar uma série de atitudes que caracterizaram o trabalho científico.
    Uma outra característica que sempre esteve presente nessa comunidade é o crédito na descoberta científica. A descoberta do oxigênio, por exemplo, foi reivindicada por três químicos: o sueco Carl Wilhelm Scheele (1742-1786), que gerou tal gás etnre os anos de 1770 e 1773; o inglês Joseph Priestley (1733-1804), que preparou o gás em 1774, provavelmente sem conhecer o trabalho de Scheele; e o francês Lavoisier, que explicou a combustão pelo oxigênio.

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